26.8.05

Em respeito à Velhinha de Taubaté

Faleceu ontem a velhinha de Taubaté. Incrível que, mesmo lendo o jornal todo e vendo todas as desgraças que acontecem no mundo, o texto da morte dela foi o que mais me chocou. Fiquei agoniada com aquilo o dia todo.

A Velhinha de Taubaté, pra quem não sabe, é uma personagem das crônicas do Luís Fernando Veríssimo, assim como o Ed Mort e o Analista de Bagé. Ela ficou famosa por ser uma das últimas (se não a única) pessoa a acreditar no governo e nos políticos. Ontem, na crônica do Veríssimo publicada em diversos jornais do pais, ela morreu. Recebeu homenagens na Globo, no Estadão e na Câmara dos Vereadores de Taubaté ontem e hoje. Merecia mais. Merecia que mais pessoas tivessem lido as histórias dela.

Segue abaixo a crônica.

Velhinha de Taubaté (!915-2005)

Morreu no último dia 19, aos 90 anos de idade, de causa ignorada, a paulista conhecida como "a Velhinha de Taubaté", que tornou-se uma celebridade nacional há alguns anos por ser a última pessoa no Brasil que ainda acreditava no governo. O fenômeno, que veio a público durante o governo Figueiredo, o último do ciclo dos generais, levou multidões a Taubaté e transformou a Velhinha numa das maiores atrações turísticas do Estado.

Além de estandes de tiro ao alvo e de venda de estatuetas da Velhinha e de uma roda-gigante, ergueram-se tendas para vender caldo de cana e pamonha em volta da pequena casa de madeira onde a Velhinha morava sozinha com seu gato, e não era raro a própria Velhinha sair de casa e oferecer seus bolinhos de polvilho a curiosos que chegavam em ônibus de excursão para serem fotografados com ela e pedirem seu autógrafo. A Velhinha sempre acompanhou a política e acreditou em todos os governos desde o de Getúlio Vargas, inclusive em todos os colaboradores dos governos militares, “até”, como costumavam dizer muitos na época, com espanto, “no Delfim Netto!” O presidente Sarney telefonava freqüentemente para Taubaté para saber se a Velhinha, pelo menos, ainda acreditava nele e Collor foi visitá-la mais de uma vez para pedir que ela não o deixasse só.

As circunstâncias da morte da Velhinha de Taubaté ainda não estão esclarecidas. Sua sobrinha Suzette, que tem uma agência de acompanhantes de congressistas em Brasília, embora a Velhinha acreditasse que ela fazia trabalho social com religiosas, informou que a Velhinha já tivera um pequeno acidente vascular ao saber da compra de votos para a reeleição do Fernando Henrique Cardoso, em quem ela acreditava muito, mas ficara satisfeita com as explicações e se recuperara. Segundo Suzette, ela estava acompanhando as CPIs, comentara a sinceridade e o espírito público de todos os componentes das comissões, nenhum dos quais estava fazendo política, e de todos os depoentes, e acreditava que como todos estavam dizendo a verdade a crise acabaria logo, mas ultimamente começara a dar sinais de desânimo e, para grande surpresa da sobrinha, descrença. A Velhinha acreditara em Lula desde o começo e até rebatizara o seu gato, que agora se chamava Zé. Acreditava principalmente no Palocci.

Ela morreu na frente da televisão, talvez com o choque de alguma notícia. Mas a polícia mandou os restos do chá que a Velhinha estava tomando com bolinhos de polvilho para exame de laboratório. Pode ter sido suicídio.

O ambiente no parque de diversão em torno da casa da Velhinha de Taubaté é de grande consternação. (Luis Fernando Veríssimo)

Nenhum comentário: