Faz tempo que eu tenho raiva dessa torneira. Primeiro, ela era baixinha. Cada vez que precisava lavar algo grande, era um estorvo. Pra colocar a água na chaleira, tinha de encher dez copos, não cabia colocar a chaleira embaixo da torneira. Quando ela ficou frouxa, eu disse "É agora que ela vai embora!".
Aí fui pesquisar torneiras. São caras. Demorou a achar uma que eu queria que fosse mais barata que um voo ida e volta pra Melbourne. Mas aí teve uma promoção da Bunnings e eu achei uma, alta, com ponta de mangueirinha móvel, pelo preço do busão a Sydney.
Já que eu estava na Bunnings (que é tipo uma Millium bombada), perguntei pro vendedor se era difícil trocar uma torneira. "Se os caninhos forem do mesmo tamanho e o furo da pia servir, é bem fácil, moça. Você faz reforma na sua casa?" Nossa, 'reforma' é talvez a coisa que eu mais odeio no mundo. Mas antes que eu entrasse na longa história de como eu tinha um vizinho de cima que ficou 10 anos martelando coisas, disse: "'As vezes. Eu instalei minhas cortinas, e já troquei chuveiros elétricos. Torneira é mais fácil?" "É sim, moça. Vai na fé. Quarenta minutos você resolve o problema".
Quarenta minutos! Fui pra casa radiante, pronta pra trocar a torneira. Encanador é mega caro na Austrália, e uma troca de torneira pode custar - de novo - o preço de uma passagem de avião. Se eu pudesse economizar essa grana... Eu poderia viajar mais! :D Me pareceu uma boa ideia. Cheguei em casa, separei a torneira nova, fita de vedação, alicate e luvas. Mãos à obra!
Foi quando apareceu minha primeira dúvida. Eu não sabia onde ficava o registro do apartamento. Eu nunca precisei fechá-lo antes. Procurei na cozinha, e nada. Olhei no canto do tanque e máquina de lavar, e nada. Deve ser no banheiro. Tem uma portinha no teto que eu nunca abri. Ia ser esquisito subir lá, mas buenas.
Antes de entrar em uma aventura por zonas inesperadas, meu lado esperto resolveu tentar outra tática. Liguei pra minha vizinha, a Bulma (ela não chama Bulma, vou mantê-la anônima, mas juro que o nome dela é um personagem de anime.) "Ô Bulma, vc tá em casa?" "Tô." "Desculpa incomodar, mas você sabe onde fica o registro?" "Embaixo da pia do banheiro, numa portinha". Fui lá, E NÃO É QUE TEM MESMO? Eu acho que eu bloqueei completamente aquela portinha debaixo da minha vista. Mas enfim, abri - e aquilo provavelmente foi aberto pela primeira vez desde a construção do prédio. Depois de passar por um osso de brontossauro e duas múmias astecas, achei o registro atrás de uns paranhos. Que bom que eu tava de luva. Me senti espertona - agora vou trocar a torneira sem fazer molhaceira. Guardem essa frase.
A torneira velha foi fácil de tirar. Já tava toda frouxa mesmo, um pouco de desenrosca e ela logo saiu. Aí prendi os pedaços iniciais da torneira nova, conferi que o diâmetro do buraco tava certo, botei ela ali e... não entrou. TUF TUF TUF (movimento de sobe e desce batendo na pia) - não entrou. Aconteceu que eu medi a largura do cano, que passava perfeitamente pelo buraco. Mas eu não medi a distância entre a torneira e a parede, e a borda decorativa da torneira era protuberante demais, e batia na parede. Dois milímetros, e meu plano começava a ir por água abaixo.
Mas eu queria a torneira nova. Já tinha tirado a velha, já tinha explorado o subterrâneo da portinha. Como eu posso aumentar a distância? VOU SERRAR O BURACO. Se eu aumentasse ele pra frente, a torneira ficava mais pra cá e não batia na parede. E a borda larga taparia qqr parte de buraco q ficasse na parte de trás. Problema: aqui na Austrália, a caixa de ferramentas do Clinton nem se compara com a do meu pai, que tem tudo. Meu pai tem uma lima, eu lembro até o formato. Mas lembrei que o canivete do Clinton tem 412 funções, tem de ter uma lima ali. Tinha. Comecei a limar a pia pra aumentar o buraco.
Eu limei por uma hora. E pensei, pela primeira vez de muitas nessa noite: É por isso que a gente paga encanador.
Uma hora mais tarde, semi-surda e provavelmente odiada pela Bulma e demais vizinhos, eu tinha aumentado o buraco o bastante pra fazer caber a torneira nova. Coloquei a torneira nova, aí tinha de prender por baixo com a rodela de vedação e a mega-porca. Quem me conhece sabe que eu não entrei na fila da altura antes de nascer, e por consequência meus braços não são muito compridos. Segurar a torneira nova no lugar enquanto rosqueava por baixo não foi fácil! Fiz o que dei, e me enfiei embaixo da pia pra rosquear o resto. Era um braço por trás do boiler, outro entre os canos metálicos, o cabelo esfregando no chão e nos azulejos. Aí eu me toquei o quão perigoso era estar tão perto de um boiler. Que um movimento errado e ia sair vapor quente em cima de mim. E é por isso que a gente paga encanador.
A cena de tensão só durou alguns segundos, e nenhum movimento foi errado. Fiz tudo certinho, fixei a torneira, prendi os canos flexíveis com os do fornecimento de água. Ok, eu já estava em uma hora e quarenta minutos, o orgulho meio amassado, mas buenas. Tá andando. Pelas instruções, agora eu precisava desmontar a cabeça móvel da torneira pra testar a vazão de água. Desmontei, abri um pouquinho a torneira - que tava sem água - e fui ao banheiro abrir o registro.
Eu abri o registro. Fez um barulho de água, e de água correndo. Tá funcionando! Saí do banheiro, e a primeira coisa que eu vi foi o Spitfire correndo como um louco na direção do quarto. A segunda coisa que eu vi foi um jato de água atravessando a minha sala na altura dos meus ombros. A terceira foi o meu orgulho caindo no chão, em frangalhos.
A torneira estava funcionando perfeitamente. Mas sem a cabeça, a mangueirinha era leve demais para a vazão de água, e tava rodando, esguichando água pra todo lado, mais giratória que sirene de ambulância. Nos poucos segundos entre o banheiro e a cozinha, eu consegui uma lavação gratuita das paredes. O que seria ok, se a água não fosse das paredes pro chão, carregando a poeiranga toda, e escorrendo por trás da geladeira e carregando todo o pó que devia estar ali embaixo desde o começo do inverno (vai, quantas vezes por ano você varre EMBAIXO da geladeira?). Os panos de limpeza rapidamente se transformaram em uma barricada pra conter a inundação antes de ela atingir a sala em cheio. Minhas meias, meia-calça, ceroula e calça ficaram encharcadas. Eu tive de desmanchar tufos de poeira com a mão pra achar a borrachinha de vedação, que tinha saído voando qdo a torneira virou um girocóptero. Eu tive de segurar o Spitfire, porque é óbvio que ele nunca toma água, mas queria lamber o chão. Eu tive de sentar no chão molhado, cansada, chorando, me sentindo a songa por ter acreditado que ia trocar uma torneira em 40 minutos. Talvez, se o buraco estivese numa posição boa. Talvez, se meus braços fossem mais compridos. Talvez, se minha cozinha não tivesse virado uma piscina olímpica. E aí o telefone começou a tocar, o que não ia melhorar em nada meu tempo de finalização da tarefa. Duas horas e vinte até agora.
Era o Clinton pedindo carona pra casa. Falei que não rolava agora, mas pegava ele depois. E que a história era longa pra explicar - olha o tamanho desse post! Mas fui terminar a torneira. Pelos menos os canos não estavam vazando, iso eu fiz direito. Instalei a cabeça, vazou um pouquinho, tasquei fita de vedação, parou, tá bom. Testei, achei uma peça caída dentro da pia. Olhei no manual de onde veio, desmontei a cabeça, remontei, funcionou. Finalmente eu tinha uma torneira alta, mais alta que a chaleira. Três horas, muita fita de vedação, suor e lágrimas.
E é por isso, meus amigos, que a gente paga encanador.