15.2.25

Chuva, carteira e cadáveres - Parte 2

- Pá, ela não trabalha na escola. Não é funcionária, e ninguém reconheceu como mãe de aluno - disse o Clinton no telefone, assim que eu cheguei no escritório. Então nossa primeira tentativa de achar a fulana falhou. Liguei meu computador e continuei a busca.

O nome também não bateu com nenhum funcionário no registro da universidade, ou com a lista de alunos à qual eu tenho acesso. Outra possibilidade eliminada. Então coloquei o nome completo no Google, mais o nome da nossa cidade. O nome da Fulana era meio comum, então tinha alguns resultados. Mas um deles me chamou a atenção - tinha uma Fulana que aparecia em alguns artigos de notícias, identificada como funcionária do Jardim Botânico. O Jardim Botânico fica cerca de dois quilômetros depois da universidade, e faria sentido uma pessoa fazer o mesmo percurso que eu, pela ciclovia, pra chegar lá. Também fazia sentido a pessoa ter na carteira uma autorização pra trabalhar com crianças, pois sempre têm excursões escolares indo ao jardim botânico, e pais visitando com filhos pequenos.

Empolgada com a minha descoberta, usei essa informação pra tentar achar imagens. Achei uma foto de uma moça segurando várias vegetais folhosos - o rosto era muito parecido com o da carteira de motorista. Tinha que ser a Fulana do Jardim Botânico. Não perdi o jeito da investigação jornalística: as peças estavam começando a se encaixar.
Pensei em ligar para o jardim botânico e pedir pra falar com ela, mas estava no ritmo e tentei achar mais informações. Mais algumas buscas e achei a foto de um grupo, incluindo Fulana, mais umas pessoas, e Siclana, que tinha o mesmo sobrenome. Minha intuição disse que era a mãe, mas poderia ser uma prima mais velha. Procurando pelas duas juntas, achei uma página de obituários de Canberra. "Beltrano, falecido na data tal, deixa a esposa Siclana e a filha Fulana. Para informações sobre o funeral, favor contatar Fulana no celular xxx". Bingo - agora tenho um telefone direto.

Liguei para o número do anúncio. Ninguém atendeu. Esperei mais alguns minutos e liguei de novo. Ninguém atendeu, mas deixei uma mensagem. "Fulana, aqui é a Pá. Você perdeu sua carteira? Eu encontrei uma com seu nome na ciclovia. Me liga". E aí só me restava esperar.

Cerca de uma hora depois, toca o meu telefone.
- Oi, aqui é a Fulana. Estou retornando as chamadas perdidas pro meu número.
- Oi Fulana, eu acho que encontrei sua carteira. Você perdeu uma?
- Minha carteira? Não, ela está aqui na bolsa... Ah, meu deus, não, péra. Ok, pode ser que eu tenha perdido, não está aqui.
- Como é a sua carteira? - É verde, com desenhos de plantas. Dentro tem os meus documentos, minha carteira de motorista tem o número xxxxx.
- Sim, é a sua mesmo. Eu estou aqui na universidade, não muito longe. Como é melhor pra entregar pra você?
- Hoje está um dia muito maluco aqui, e foi por causa da correria que devo ter deixado a carteira cair. Tem como você cuidar dela até amanhã, e eu pego com você no campus?br> - Claro, vai ser um prazer! Aliás, você não joga golfe, joga?
- Não, por quê?
- Não, nada não. Vejo você amanhã!

Combinamos um almoço no dia seguinte, com hora e local. Liguei pro Clinton pra avisar que tinha achado a Fulana. Ficamos super contentes. Botei a carteira e o livro num saquinho plástico e guardei. Mistério resolvido.

Mas aí eu pensei nos tacos de golfe no canal. Uma pesquisa rápida me disse que um taco custa uns $100 dólares, nos níveis iniciantes ou médios. Tinha uns dez na sacola, e eu não sei de que nível eram. Nas redes sociais, e nas notícias locais, não tinha nenhuma história de roubo de tacos de golfe ou coisa parecida. Mas eu tinha de fazer alguma coisa.

No fim da tarde, o Clinton foi me pegar no trabalho. Falei pra ele dos tacos, e que queria levar eles pra delegacia, fazer um registro de achados e perdidos. Ele fez uma cara borocoxô (motivada por fome, já que uma ida à delegacia iria atrasar o jantar pra caramba). Mas era a coisa certa a fazer.

Fomos de carro até perto do canal, e depois a pé até o lugar onde eu tinha deixado a sacola. Ela ainda estava lá. Acho que estava com uns dois tacos a menos, um pouco mais leve, mas eu não lembvava exatamente quantos tinham no começo. Tirei umas fotos e coloquei a mala pesadona no porta-malas.
Na delegacia, a moça na minha frenbte na fila também estava fazendo registro de items achados: um monte de molhos de chaves. Ela tinha participado de um festival no fim de semana e achou todos eles no chão. Na minha vez, o menino polícia (ele era bem novinho) ficou curioso com a minha mala gigante.

- Achei essa mala com tacos de golfe no canal. Achei que talvez o dono possa ter feito registor de perda ou roubo com a polícia.
- No CANAL? Deve ser item roubado e descartado. Vou verificar se a gente tem algum boletim de ocorrência. Mas se você puder colocar nas redes sociais e avisar que o item está aqui na delegacia, ajuda também. Mas não dá detalhes não, deixa o verdadeiro proprietário vir aqui e descrever pra nós o que tem na mala. Taco de golfe é caro e um monte de malandro pode vir aqui tentar se passar por dono.
- Um conjunto desses é caro, né?
- Moça, eu não sou especialista. Mas sim, é muito caro. Ainda mais um conjunto grande desses, com vários tacos.

Segundo calafrio que essa mala me deu hoje, viu? Fiz o registro de achados, guardei uma cópia e deixei a mala lá. Chegando em casa, comemos a janta e coloquei um post na comunidade da Cidade nas redes sociais informando que tinha deixado uma mala de tacos na delegacia.
"Feio é roubar e não poder carregar", diz o ditado. Me dá muita raiva pensar que alguém pode ter simplesmente roubado a mala e depois jogado fora. Eu não entendo nada de golfe, mas estou realmente na torcida que os tacos voltem para o verdadeiro dono.

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