- Nossa, muito obrigada por devolver minha carteira. Como foi que você me achou?
- Ah, pesquisando no Google. Tinha bastante coisa sobre você e o jardim botânico.
- Mas você ligou no meu celular. Como você conseguiu o número?
- Ah, então... O número estava no obituário do seu pai. Ele faleceu recentementemente, né? Eu sinto muito.
Ela levantou as sobrancelhas, depois ficou olhando pra carteira. Respirou fundo e deu um suspiro.
- Papai, papai... Sempre me ajudando, mesmo aí de cima, né?
Ela estava visivelmente visitando algumas memórias. Dei um minutinho pra ela, e fui comendo minha batata. Ela voltou a prestar ateção em mim, e comendo batata també, perguntou o que eu fazia na universidade. Falei do meu trabalho com os alunos, e perguntei a mesma coisa pra ela.
- Eu cuido de algumas plantas especiais lá no Jardim Botânico. Essa semana foi muito corrida, eu estava dando entrevistas e palestras quando você me ligou. Porr isso não pude atender. No momento, estou cuidando da planta-cadáver.
A planta-cadáver é uma planta raríssima, originária das florestas de Sumatra, que só floresce uma vez a cada 10 anos. Ela é famosa não só por isso, mas por liberar, quando floresce, um cheiro medonho de bicho morto. Por isso o nome. O Jardim Botânico daqui tem uma dessas plantas há cerca de 15 anos, e ela nunca tinha florescido. Só ficava lá, quieta num canto, com sua cara de batatinha verde num talo, só lançando uma folhinha aqui e ali ao longo dos anos. Na última sexta, porém, os funcionários do Jardim chegaram lá e a planta tinha lançado um filete gigantesco pro alto durante a noite. Todo mundo entrou em polvorosa, porque isso significava que ela ia florescer muito em breve. Não deu outra - no sábado a flor estava formada e abrindo. O jardim botânico chamou a imprensa, abriu um número limitado de tickets, foi um furdunço. Na segunda, quando eu achei a carteira, ela já tinha começado a fechar.
- Você foi lá ver a planta? - a Fulana me perguntou.
- Não, eu não consegui um ingresso. Eles acabaram muito rápido.
- Ah, verdade. Agora nós fechamos a estufa para visitantes, e só os cientistas estão cuidando da planta. Mas você quer ver? Eu posso te mostrar. Bem rápido, depois do trabalho.
Meus olhões ficaram do tamanho de dois pires. "Nossa sério? Quero sim! Não tem problema? Olha, só se não for incomodar..." e toda aquela ladainha. Mas ela disse que não tinha problema. Combinamos que no dia seguinte eu sair do trabalho um pouco mais cedo e iria lá, e ela ia autorizar q eu entrasse rapidamente na estufa.
No dia seguinte, ÓBVIO q eu estava no Jardim Botânico na hora marcada, toda pimpona. Suada pra caramba, porque eu fui literalmente correndo de uma reunião, mas cheguei na hora. A Fulana estava no portão com uma assistentew. Elas me colocaram num daqueles carrinhos de golfe e fomos, VRUUUMMMMM, na direção das estufas. Chegamos lá em cima e elas abriram dois portões cadeados. Me disseram pra preparar a câmera, porque ia ser bem rápido - entrar, olhar e sair. 10 segundinhos. Preparei tudo, e ela abriram a porta.
A planta é impressionante. Devia ter mais ou menos a minha altura, incluindo o vaso. Difícil de acreditar que por 15 anos ela foi uma bolota com umas folhinhas. No calorão da estufa (afinal, tinha que parecer uma selva de Sumatra), tirei umas fotos, olhei de diversos ângulos. O cheiro? Já não estava tão forte, porque a flor já estava fechada. Mas ainda lembrava aquele cheiro de quando você esquece a roupa na máquina, e aí vira aquele bololô morno e molhado.
Foram realmente só alguns segundos, e elas indicaram que era hora de sair. Elas explicaram que agora os cientistas estão tentando colher um pouco do pólen e enviar para Sydney, onde existe outra planta-cadáver, que também floresceu na semana passada. Eles não sabem exatamente de onde elas vieram, mas provavelmente são parentes, já que floresceram tão perto uma da outra. Ainda assim, se eles conseguirem polinizar, as semestes ainda seriam muito mais fortes do que se a planta se auto-polinizasse, já que teria mais variação genética.
Sentei de volta no carrinho de golfe, sorrisão indo de uma orelha à outra. Tipo, quando, QUANDO na vida você acha que um dia vai ver um negócio desses? Eu já vi essa planta na tevê algumas vezes, porque eles sempre mostram quando abre um ao redor do mundo. E dessa vez eu vi uma ali, pertinho, do meu ladinho. Agradeci muito à Fulana, que falou que era o mínimo que ela podia faezr pra agradecer. Elas me dirigiram de volta até a entrada do Jardim Botânico, e de lá eu fui pra casa numa scooter, porque estava cansadérrima.
E no caminho, mais exatamente quando passei pelo canal, foi que caiu a ficha. Hoje acabou sendo o dia q eu vi um "cadáver". Mas ainda bem que foi bem diferente do que tinha imaginado.
- FIM -